Criança Que Não Quer Ir Para a Escola – Entendendo a Recusa

Criança Que Não Quer Ir Para a Escola – Entendendo a Recusa

Por Juliana Brum, Psicopedagoga e Educadora
Entendendo a Criança Que Não Quer Ir Para a Escola:

Quando pensamos em creches e escolas, é importante entender que estes espaços representam para a criança, dentre outras coisas, a separação dos seus pais, mães ou outros cuidadores e ambientes habituais. O convívio com adultos que, inicialmente, ainda não têm a sua confiança, com outras crianças e famílias de características e hábitos diversos…enfim,  um “fragmento do mundo real”, digamos assim, que se apresenta aos bebês já aos quatro (ou seis) meses de vida, se considerarmos grande parte das famílias num país como o nosso.

Inicialmente, na maioria das escolas e creches, a possibilidade da criança brincar livre, experimentar e viver a sua própria imaginação e desejos é maior. Com o passar do tempo, ocorre um aumento das intervenções no sentido de direcionar as brincadeiras e vivências aos objetivos pedagógicos, com o intuito de favorecer a aprendizagem daqueles conteúdos considerados importantes ao desenvolvimento das crianças.

Algo a ser avaliado aí seria esta importância, já que, muitas vezes, o que nós adultos julgamos relevante para que uma criança aprenda (seja devido a determinações da legislação ou mesmo aprendizagens definidas a partir de pesquisas em torno do desenvolvimento infantil), tem atendido mais às expectativas adultas do que às necessidades infantis.

Obviamente, que esta é uma afirmação delicada e complexa, uma vez que se refere a uma série de questões que não se relacionam apenas à aprendizagem e ao desenvolvimento infantil, mas a forma como nos organizamos em sociedade e aos mais diversos interesses que isto envolve. Esta organização requer, por vezes, que ofereçamos mais dificuldades do que possibilidades ao desenvolvimento infantil.

No entanto, matricular crianças em creches e escolas, vai muito além do desejo de que elas convivam com outros iguais, construam laços de confiança e realizem interações com outros adultos e ambientes. Levar os filhos à escola representa uma necessidade para a maioria das famílias. É preciso compartilhar a responsabilidade de cuidar e educar as crianças pelas demandas que nós, enquanto sociedade, temos.

Nesse sentido, nossa responsabilidade passa a ser ainda maior, já que precisaremos atender às nossas demandas adultas, sem comprometermos o desenvolvimento das crianças. Isto ocorreria a medida em que as instituições estivessem comprometidas com a educação infantil a partir do olhar para as crianças e sua aprendizagem em primeiro lugar. Ouvir as crianças, observá-las e estar, de fato, presente com elas, seria o início de uma nova construção.

Quando ouço uma criança de 4 anos, por exemplo, dizer que não quer ir à escola, é inevitável trazer à tona todo esse contexto. Será que em todos os espaços dedicados à educação infantil, temos um ambiente propício à aprendizagem? Ao cultivo da imaginação (fundamental à tão desejada criatividade e inteligência)? Ao brincar livre sem interferências adultas violentas e desnecessárias? Ao pleno e saudável desenvolvimento? As crianças captam essas nossas incoerências e as denunciam das mais diversas maneiras. Não querer ir à escola é apenas uma delas.

Para além deste cenário também precisamos compreender a realidade de cada criança, suas famílias e as possíveis razões para o desinteresse pela escola. Ainda assim, não concluiria “simplesmente” que este seria um “problema” apenas da criança. Esta recusa pode estar sendo um veículo para que a criança comunique algo e seu desejo de não ir à escola pode estar relacionado a questões várias que, numa análise rápida, nem conseguiríamos alcançar. É preciso ouvir as crianças verdadeira e amplamente. Observá-las sem antecipações. Deixar que este encontro nos faça lembrar da criança que fomos e que ainda está conosco de alguma forma. Além de difícil, por conta das inúmeras demandas que a vida adulta nos impõe, este pode ser um exercício doloroso e que queremos evitar. Doloroso, difícil…mas, igualmente, necessário caso estejamos dispostos a falar em educar crianças respeitosamente.

Que possamos conhecer de perto os ambientes em que estão as nossas crianças, bem como os outros adultos e crianças com as quais elas convivem e interagem diariamente. É fundamental perceber se este não querer ir à escola é recorrente e vem acompanhado de outros sinais, como tristeza, ansiedade ou algum sintoma físico. Mas que possamos compreender que esta recusa ao ambiente escolar pode estar relacionada à dificuldade de aceitação pacífica a algumas situações – características da nossa sociedade – com as quais nós adultos já estejamos acostumados (e por que não dizer, anestesiados). Nós fomos estas crianças que também nos incomodávamos, também denunciávamos aquilo que mais nos tolhia do que contribuía para o nosso desenvolvimento. A escola também foi para nós este “fragmento de mundo real” que nos moldou de forma a aceitar coisas que, no auge da nossa infância viva e potente, jamais aceitaríamos.

Diante da recusa de uma criança a ir à escola, talvez seja interessante que façamos coletivamente uma reflexão sobre esses ambientes e sobre as nossas práticas. Que possamos valorizar o que é trazido pela criança, sem culpabilizá-la, mas usando este material para reflexão e aprendizagem. Validar o que a criança pensa e colocar-se disponível a aprender com ela contribui muito mais para o seu desenvolvimento e para a aprendizagem de todos nós.

 

Juliana Brum, Psicopedagoga e Consultora em Educação.
Atendimento a crianças, famílias, educadores, escolas e iniciativas parentais de educação em grupo ou individualmente. Co-fundadora do Movimento BrincaCidade. Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ.
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